sexta-feira, 17 de julho de 2020

Meu Último Texto

Começo agora a escrever meu último texto. E dessa vez, não vou falar sobre um cara perdido, acreditando na calmaria após a tempestade. Este é um texto seco, vazio, apenas um texto. Encontrar uma outra forma de dizer o que já foi dito não me basta mais. É cansativo. Vocês já leram isso de mim e de tantos outros por aí. Muitos de vocês já fizeram seus próprios textos sobre essa busca, como se todos nós estivéssemos juntos tentando entender do que se trata essa nossa ríspida passagem pela Terra. 

Cansei de falar sobre os inícios depois dos fins, sobre a travessia, sobre as conexões, sobre as intercorrências, sobre a fúria das ondas e sobre o mar calmo depois da rebentação. Claro que durante todos esses anos, as palavras torpes que aqui redigi serviram de conselhos que o fundo da minha alma entregava ao eu que vive na superfície, algumas vezes diante de chuva, outras vezes diante do sol - e dessas palavras tenho, apensar de um pouco medo, profundo respeito. Mas acho que a missão foi concluída, posto que diante de todo o estudo que a vida e as ruas, as brisas e as Luas me trouxeram, é chegado o momento de abandonar a teoria e partir para a prática, ou seja, atravessar enfim. Talvez tenha chegado o momento de deixar que o silêncio fale por mim.

Nesse blog registrei minhas mortes e meus renascimentos. Aqui viveu uma versão minha oculta até de mim mesmo, que as vezes vem às minhas margens, mas vive no escuro, apesar de ter medo do escuro. Submerso, apesar de ter medo do profundo. Viveu em estado bruto nessas linhas, a versão minha que tem medo de tudo o que é bruto. Agora e o tempo todo. O tempo sequer existe. Certa vez escrevi por aqui que a vida é a soma de muitos infinitos - infinitos infinitos que riem da nossa cara na faca do tempo, que possuem começo, meio e fim. Infinitos que findam. A leis do universo nos delimitam a regra de que todas as coisas que começam, irremediavelmente findam e é no interlúdio das doçuras e das dores que a gente cresce, que a gente entende, que gente vive. A vida está ali.

Depois de tudo o que dissemos, nossos olhares evitam se tocar. Caso ocorra, nossos olhares evitam se perder. A próxima palavra sempre pode ser a última e muitas vezes é até importante que seja. É por isso que esse é meu último texto. Parece ser sobre um cara perdido acreditando na calmaria após a tempestade, mas tem algo além disso, apesar de ser um texto seco, vazio, apenas um texto.

Outra noite conheci um senhor, alcoólatra, quase nu no frio congelante do Junho paulistano. Como me é corriqueiro diante de situações assim, não pude dizer nada, culpado por usufruir dos meus privilégios. Esse senhor me disse: a vida é um bumerangue. Naquela noite, eu deveria ter ido pra casa, mas não fui. Fui pra outro lugar. Bebi outra bebida. Escrevi outra poesia. Olhei outra pessoa. Vivi outra vida. Depois me vivi. Depois me vi. Depois me escrevi. Depois me bebi. Depois me fui. A vida é um bumerangue.

Quando eu for embora, feche a porta, apague a luz e vá se deitar. Tranquilize-se, pois o que é meu sempre será. Estarei agasalhado e com uns trocados no bolso. Terei meu violão e meu cachorro. Tenho medo de altura, você sabe, mas preciso atravessar. Me disseram que do outro lado não há nada, o que é bom. Haverá. É como aquele dia em que eu levantei uma parede no lugar de onde era a porta. Essa porta não está fechada, ela apenas abre outro mundo agora. E não há mais nada a ser dito.

É por isso que esse foi meu último texto, seco, vazio, apenas um texto. E - macacos me mordam! - foi sim, mais uma vez, sobre um cara perdido acreditando na calmaria após a tempestade. Mas não é essa mensagem niilista que eu espero deixar, a de que tudo o que começa invariavelmente finda, tampouco a fria aceitação de que quando nos sentimos infinitos, sempre será por um tempo limitado. Não quero que se recorde apenas da ciclicidade e da ironia do universo. Acho que o verdadeiro legado é que apesar disso tudo dito e apesar dos nossos diários anseios e pânicos, podemos dormir tranquilos sabendo que ainda há espaço para o infinito, bem como ainda há tempo para o eterno. E sempre haverá.

Vejo lá, uma nova ponte.
Que balance!
Vamos nos divertir.

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